Organizações de Direitos Humanos denunciam descumprimento de decisão da Corte IDH sobre ditadura no Brasil
Na programação do 167º Período de Sessões da Corte IDH (Corte Interamericana de Direitos Humanos), no Brasil, o Estado brasileiro deverá ser denunciado por descumprimento de decisão de 2010 sobre a busca e identificação dos desaparecidos da Ditadura Militar. O caso está na pauta das audiências privadas, que ocorrerão nesta quinta-feira (23), em Brasília (DF) e trata das vítimas da Guerrilha do Araguaia, ação revolucionária que ocorreu entre as décadas de 60 e 70 na região do Rio Araguaia (Maranhão, Pará e Tocantins).
Ao lado de outras organizações de Direitos Humanos, o CEJIL (Centro pela Justiça e Direito Internacional), que representa as famílias das vítimas da Guerrilha do Araguaia, levará à Corte a denúncia de desobediência da decisão da Corte IDH, que declarou a invalidade da interpretação da Lei de Anistia brasileira – que acobertava os crimes cometidos pelos agentes do Estado durante a Ditadura Militar – e responsabilizou o Estado brasileiro pelas violações aos direitos à vida, liberdade, segurança e integridade, à proteção contra prisão arbitrária e ao processo regular. “Queremos destacar que as medidas impostas foram desacatadas e as medidas estruturais não foram cumpridas”, afirma Helena Rocha, co-diretora do Programa Brasil e Cone Sul do CEJIL.
Quase 30 anos depois da localização de alguns remanescentes ósseos em missões de buscas organizadas por familiares, ainda há mais de 20 ossadas sob a tutela do Estado brasileiro, sem identificação. “As ossadas foram mal preservadas, deixadas em caixas de papelões e em condições de decomposição. Há questionamento, inclusive, se há condições de serem identificadas. Diante da grave violação ao direito humanitário, de descanso e luto das famílias, é obrigação do Estado realizar o trabalho científico para que as famílias tenham uma resposta”, ressalta a advogada.
Familiares dos mortos e desaparecidos políticos do regime militar brasileiro estão em Brasília, com o objetivo de pressionar a reinstalação da Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos, extinta em dezembro de 2022 pelo governo do ex-presidente Jair Bolsonaro. Na audiência privada, as organizações de Direitos Humanos irão reforçar à Corte, que o trabalho de busca, identificação e investigação sobre a guerrilha não foi retomado. “A audiência da Corte no caso do Araguaia volta a pôr na mesa os obstáculos da Justiça e do Poder Executivo brasileiro para fazer frente aos desaparecimentos e torturas cometidos durante a ditadura militar e a impunidade que vem se perpetuando por décadas. A identificação das pessoas desaparecidas é uma medida imprescindível cuja demora é injustificável e que aprofunda a dor de centenas de seus familiares”, ressalta Viviana Krsticevic, diretora executiva do CEJIL
Na sessão privada, será discutido também o Caso Márcia Barbosa de Sousa, vítima de feminicídio em 1998 em João Pessoa, e que resultou em condenação da Corte Interamericana, em 2021. A Corte considerou a existência de uma cultura de tolerância à violência contra a mulher e pediu a implementação de medidas de não repetição, como um protocolo nacional para investigação de feminicídios. Os dois casos são acompanhados juridicamente pelo CEJIL.
A Corte IDH, principal órgão judicial da Organização dos Estados Americanos (OEA), com sede na Costa Rica, é encarregado de interpretar e aplicar a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, tratado internacional que prevê direitos e liberdades que precisam ser respeitados pelos Estados Partes.
Após as audiências privadas, a Corte IDH terá audiências públicas em Brasília (DF) e Manaus (AM), com a participação de diversas organizações de defesa dos Direitos Humanos de toda a região e representantes de Estados, organismos internacionais, academia e instituições nacionais. As entidades serão ouvidas pela Corte no âmbito do pedido de opinião consultiva solicitado pelos Estados do Chile e da Colômbia sobre Emergência Climática e Direitos Humanos, com o objetivo de que a Corte IDH responda como os Estados devem prevenir catástrofes climáticas; como devem fornecer informações ambientais às comunidades e como irão proteger os defensores das causas ambientais, dentre eles mulheres, crianças e povos originários.
A Corte Interamericana de Direitos Humanos iniciará a agenda de audiências públicas da opinião consultiva no Brasil na sexta-feira (24), com audiência na sede do Tribunal Superior do Trabalho (TST), em Brasília. A sessão será aberta pela presidente da Corte, juíza Nancy Hernández López, e terá participações do Brasil, Chile, Colômbia, Costa Rica, Honduras e Paraguai.
Após as audiências em Brasília, a Corte seguirá para Manaus, para a segunda rodada de audiências consultivas nos dias 27, 28 e 29 de maio. Serão ouvidas organizações que apoiam mulheres, povos originários, crianças e adolescentes, dentro da perspectiva ambiental e de justiça às comunidades mais vulneráveis. “Atualmente há três pedidos de opinião consultiva sobre o tema emergência climática no mundo: o da Corte Internacional de Justiça, o do Tribunal Internacional do Direito do Mar e o da Corte Interamericana, que é o primeiro que trata a crise climática com enfoque nos Direitos Humanos. É bem simbólico que essas audiências ocorram em Manaus, no coração da Amazônia”, informa Helena.
Sobre o CEJIL
O Centro pela Justiça e Direito Internacional (CEJIL) é uma organização não governamental sem fins lucrativos com status consultivo perante a Organização dos Estados Americanos (OEA) e as Nações Unidas, e status de observador perante a Comissão Africana de Direitos Humanos e dos Povos. É formado por defensores e defensoras de direitos humanos que trabalha para reduzir a desigualdade, a discriminação e a violência em suas várias dimensões. As estratégias de litígio, incidência e comunicação do CEJIL objetivam contribuir para o fortalecimento das democracias, a proteção e promoção de direitos e o combate à impunidade na região da América Latina.